quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Desvínculo.

Um olhar distante e úmido, as lágrimas sequer tinham força para cair.
Um corpo imóvel, em meio a toda aquela gente que ia esbarrando no franzino saco de ossos.
Uma mente atordoada, sem conseguir processar os pulsos, inúmeros pulsos enviados pelo sistema nervoso.
Um coração apertado, agonizando frente ao medo.

Sensações estas objetivadas pela perda, o desvínculo vital.
Acontecera ali mesmo, a poucos instantes. A estação de trem, tão cheia e ao mesmo tempo tão solitária, sempre reserva fatídicas surpresas.
Um pequeno garoto que sentiu suas mãos deixarem de existir, e um turbilhão de tormentos tomar conta.
Barulhos estridentes, vozes indecifráveis, vultos por todos os lados.
Um relógio acima de sua cabeça, uma escada bem ao leste, a bilheteria no pé da escada.
Ele já não tinha mais ninguém e isso precedera aquela cinestesia já transcrita.

Em instantes um lugar inóspito.
A sua frente, um trilho; vindo ao longe, um trem.
Não lhe restara escolha.
Mergulhou num impulso, de certa forma fugaz.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Procissão.

Encontraram-se exatamente às 7:52 daquela manhã, cinzenta de quinta-feira. 
Em menos de dois minutos, todos já haviam se olhado, olhares vindos das mais diversas formas, bem como fuminantes, sinceros, moribundos, amedrontadores e amedrontados.
O tempo corria e eles, todos eles, ali permaneciam.
Alguns sentados, tantos em pé, outros sem saber ao certo como estavam ou até quem eram.
Em meio a muitos pensamentos, uma única certeza de todos: o fim cada vez mais próximo.
Já passara algum tempo, e agora todos pareciam se conhecer de longa data, sentiam-se à vontade, até para contar um pedaço sequer de suas vidas aquele que estava ao lado e que até então nunca havia lhe visto.
Um bem ao fundo afugentava uma mosca que insistia em sobrevoar acerca de seu rosto, ao lado um outro, contava os cigarros restantes em seu maço completamente amassado.
O fim cada vez mais próximo...
Tornaram-se uma família, uma equipe, uma gangue, como queriam, até que chegara o momento esperado. 
O fim.
O fim que fizera cada um tomar seu rumo, a partir dali.
O fim que rompera os laços ali criados.
O fim que precedera um novo início.
Para o amanhã, e o recomeço precederem um novo fim.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Triunfante.

Depois de um longo período, ele se restituiu, sua queda, por mais que o tenha abalado, não o imobilizou.
Reerguera seu império, recrutara apenas um, ele próprio, para combater a infindável massa humana que já começava a fraquejar.
Não demorara muito e diante a ele a multidão ajoelha-se, pedindo clemência, temendo a dor.
O nobre ato do perdão nunca correu por suas veias, que pulsam com um rancor insaciável.
Em meio ao choro e as lamúrias, ela ouvia uma única voz rouca que parecia não vir do mar de gente atormentado que ali agonizava, voz essas que dava-lhe uma única ordem, e então como último ato ele assentira com a cabeça.

Em poucos segundos já não restava sequer um ruído, sequer um corpo ajoelhado; apenas ossos daqueles que um dia profanaram as leis da lealdade.

Ele então levantara sua cabeça, olhando fixamente ao alto, sentira uma lágrima escorrer por sua face e um tímido sorriso amarelo ousara aparecer. Para ele nada mais importava senão tornar-se.

Triunfante.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O casto e o mundo.

Outrora ele enxergava a vida com outros olhos.

E agora vê que a dor da verdade é o que há de mais cruel, e que não pode mais se esconder das dissimulações alheias em seu recanto. Descobrira que na vida o casto é redutível à infância,e quando deparara-se com a atrocidade que traz consigo a tempo vital, quisera desistir sem sequer dar o segundo passo.

Abdicara a vitalidade em prol de uma alma pura, que não fora corrompida pelos males.

Jazes junto ao soberano pacificamente, enquanto no mundo, tantos outros vestem suas máscaras e ousam adentrar à moradia do juíz. Tudo em vão pois cairão por terra, e o quão grande forem os pecados maior será a queda rumo ao abismo, que arde com o fogo escarlate.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Óbito.

Aos poucos cresciam, tornavam-se uma legião, logo, eram tantos.
Homens... Que compunham o dito muro das lamentações, porquanto chegara o momento em que os refúgios darão lugar as ruínas. E o preço que o ser humano vale já não é levado em consideração.
Fora possível ver o desespero em cada face atormentada.

E o sangue gelar. Em cada artéria por onde corria a vida.

Em meio a multidão de penitentes fora possível ouvir a voz do sofrimento de alguém que dizia:

"A escuridão me levará.
Eu juro que tentei...
Vem crescendo o som, anunciando o fim.
Você vai ver, é natural nascer e morrer."

Jamais se ouvira alguma voz, pois a habitação, agora perece só.
Muitos foram poupados; e quanto aos outros?

Óbito.


domingo, 29 de agosto de 2010

Atroz.

Lembro-me da infância que agora jazes nos resquícios de minhas lembranças.

Controlo meus movimentos com o auxílio de sedativos dos quais um dia nunca acreditei fazer uso.
O tempo, elemento atroz, não nos dá uma oportunidade fugaz e temos de nos confortar e sermos coniventes a ele.
"E assim é a vida: muitas vezes insatisfatória, freqüentemente cruel, em geral chata, por vezes linda e ocasionalmente estimulante. O prazer do desafio e a ansiedade da surpresa são apenas companhias efêmeras numa estrada com destino à solidão".

A vida é um ciclo que sempre nos leva ao desapontamento, desapontamento esse vitalício.
Porquanto vivemos à vontade de Deus.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ode a ti.

É você quem abre meus olhos, para tudo aquilo que eu não quero ver.
Por ti serei eterenamente grato pois conseguiste conquistar-me eternamente e assim fazer-me feliz a cada segundo.
Ensinou-me a caminhar, por um mundo onde julgam-lhe a todo instante.
Abro os braços pra te receber a cada nosso reencontro diário.
E no nosso sistema lunar, a minha estrela brilhará sempre perto de ti, roubando toda a sua luz.
Exalto tua benevolência, que enternece minh'alma.
Sua preocupação em mudar o mundo, para que a dois possamos desfrutar de um paraíso do qual ninguém um dia imaginara.

Segundos, horas, dias, semanas, anos, décadas, séculos, que precedem uma eternidade junto a ti.

Tráfego rumo a extinção.

Estava ali inerte.
Sentia-se em um cárcere, agonizado por não encontrar uma saída. Outros tantos junto a ele, também não suportavam tal martírio.
Começara a orar, todavia seu  único pedido não fora atendido. Então ele permanecera ali por horas e a raiva já tomara-lhe conta.
No momento em que olhara, o relógio marcara 7:07, de uma noite que parecia não ter fim. E literalmente não teria.  Pois o destino escolhera tal dia para começar sua devastação.
As horas tornaram-se dias, e a massa humana aglomerara-se cada vez mais.
Os dias tornaram-se semanas, e a essa altura alguns já haviam ficado pelo caminho, por um caminho onde não era possível transitar.
Os dias tornaram-se meses, e estes precederam a extinção, pois todos que ali restavam, já não viam uma solução, entretanto a culpa fora destes próprios.
Os meses tornaram-se a eternidade, e já não havia mais ninguém.

E o homem tornara-se obsoleto.

domingo, 22 de agosto de 2010

O revés de outono.

Entrelaçavam-se os braços anunciando um fim.

O outono chegara e trouxera consigo a dor da partida. Sua fortaleza encontrava-se em ruínas, o amor perdurara até aquele infame momento.
Os braços entrelaçados fortemente, que compunham um abraço, deixaram-se por um instante e deram lugar a olhares cheios de lágrimas. As palavras nunca foram e nunca serão capazes de serem proferidas nos momentos em que só o coração consegue falar.
Todas as preces por uma abdicação sua foram em vão, e ele se sente aos pedaços, sem seu refúgio.
Desde aquela despedida, desde aquele outono, a vida dele tornara-se um tormento, e intercala as passagens, ora depara-se com a morte, ora com a solidão, ambas na obscuriedade de sua mente.

E na parede do quarto onde se isolara, arranhara com as unhas os seguintes manuscritos:
"Sinto falta do meu lugar e do conforto de seus braços".

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O homem e a solidão.

E assim ele carrega seu fardo, composto pelo ódio e o desdém que conduziram a ele.
Agora volta seus olhos ao mundo, jurando vingança à aqueles que o deserdaram.

Desmembrou-se da vida e fora a batalha, contra um exército numeroso que o farpeia covardemente.
Leva adiante; à frente da vista dos olhos toda a atenção de quem vive só. Vive só, na escuridão, pois fora onde conseguiste se redescobrir.
Peregrina nesta longa romaria, alheio à tudo o que acontece acerca de si. A percepção o faz abrir os olhos, e recebe o inimigo em território próprio.
Pois sua divindade o faz forte e ele carrega sua cruz, como há de ser.
Só ele sabe o quão afável é a solidão, que abraça-o como o filho prodígio.

Então, abre os braços e invoca todo poder que lhe é concebido.
Intrépido parte a mais uma batalha, contra os indigentes de alma, que incrédulos são derrotados.

Permanecem o homem e a solidão.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um coração, uma prece e uma vida.

Porque o amor se aloja num lugar tão vulnerável? Afinal a qualquer momento as palpitações podem cessar, rompendo com a realidade.

E isso é irreversível, entretanto deixar de viver não é opção certa, pois sua liberdade não pode ser atribuída como em um teste de vestibular, portanto faça presente em sua vida o bom e velho "carpe diem".
E coloque o coração à frente o número de vezes que for necessário, para ser esfaqueado, para ser baleado e principalmente para ser amado, pois sua fragilidade o dá força.

"Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vem a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, não nos deixei cair em tentação mas livrai-nos do mal.
Amém."

Profira estas palavras para saciar o coração, pois já esperam sua alma no recanto dos bem-aventurados.

domingo, 15 de agosto de 2010

O declive.

Não consigo sequer cogitar, a hipótese de te ver partir.

A vida, por vezes impia, regida pelo onisciente, prega-nos grandes surpresas inimagináveis, entretanto ainda não chegaste sua hora.
Ela já lhe mostrou todas as suas faces, já lhe ensinou tudo o que fora necessário saber nesta sua peregrinação, já a fez compreender qual seu veradeiro sentido, desde o longínquo ano de 1935. 

Mas minhas raízes ainda estão, e sempre permanecerão fincadas em teu ser alimentado-se da parte que um dia se ausentará, até o infame momento da permissão dele.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Gênesis.

"E foram todos os dias de Lameque setecentos e setenta e sete anos; e morreu."

A redundância, que tanto faz transbordar as palavras, mostra-se diáfana diante aqueles que compreendem a dialética do desconhecido.

A sabedoria é a perca da religiosidade, é o sacramento do rompimento com a divindade.

O nosso conhecimento ultrapassou barreiras e a gora estamos a mercê, inativos aos acontecimentos que precedem o fim.